Histórico de vida

Amara de Vasconcelos Alves Santiago, conhecida na intimidade como Mara Santiago, nasceu nesta cidade de Amaraji, no dia 07 de julho de 1930, fez o curso pedagógico na Escola Pinto Junior na cidade do Recife. Começou a ensinar na sua cidade, nomeada pelo prefeito Sebastião Gomes de Andrade, tendo exercido as funções de diretora do Grupo Escolar Dom Luiz de Brito, onde exerceu sua função de professora estadual, até sua aposentadoria. Ensinava com dedicação e amor todas as matérias, especialmente a cadeira de português, sendo amada por milhares de crianças e adultos que tiveram a honra de ser seus alunos. Amara de Vasconcelos Santiago, foi uma das fundadoras do Colégio Cenecista São José da Boa Esperança, onde lecionou português e artes plásticas nos cursos: ginasial, pedagógico, e contabilidade. Filha de Erasmo José Alves e Levina de Vasconcelos Alves, seu pai, homem simples e modesto, destacava-se entre os mais ilustres conhecedores da língua portuguesa, porém não valorizado pelos seus conterrâneos; escreveu vários poemas, e o livro intitulado "Politicagem de Aldeia", que vale a pena ser lido. Amara de Vasconcelos Alves Santiago, promotora das melhores festas sociais de Amaraji, escreveu um livro de poemas denominado "Amaraji Sem Retoques", foi autora do hino de Amaraji, cuja música foi adaptada pelo padre José Leão Lanffermam. Escreveu poesias românticas, liricas, e realísticas, entre outras a intitulada "O Meu Funeral", esta foi publicada e cumprida no seu funeral, em 30 de agosto de 2001. Amara de Vasconcelos Santiago, era de temperamento expansivo, comportamento excêntrico, romântico, realístico. Casou em 06 de dezembro de 1963, com Israel Agostinho Santiago, sendo mãe de três filhos: Ana Paula de Vasconcelos Santiago, psicologa, casada; Helder de Vasconcelos Santiago, comerciante, casado; e Israel Agostinho Santiago Junior, Engenheiro Agrônomo, casado. Era irrequieta, caridosa, bondosa, perdoava à todos, e por todos era perdoada, por sua sinceridade e positivismo. Era espiritualista, temente à Deus. Teve um final feliz, junto ao seu esposo, com dedicação mutua e seus filhos, verdadeiros amigos. Amara de Vasconcelos Santiago, assistia diariamente as 6:00, o culto transmitido pela BAND - Igreja das Graças, ajoelhada fez a oração final, após tomar café, que ela fez questão de servir; as onze horas serviu o almoço a seu marido e sua filha Ana Paula, sentou-se para escrever algo referente ao museu de Amaraji, ficou a sós com Deus; as 12:30 teve um infarto fulminante, e ao ser conduzida ao hospital de Amaraji deixou nosso planeta, era seu dia, aguardamos o nosso dia. Foi uma pedra preciosa que brilhou por muito tempo em Amaraji. Deus a levou, para brilhar na eternidade, junto com os seus anjos em lugar feliz, foi exemplo de vida aqui, e será no além.


domingo, 5 de junho de 2016

Propósito

Qual o Propósito da Existência?


Pergunta:

Tudo bem, talvez esteja além da minha capacidade entender o propósito da minha existência. Afinal, os personagens num vídeo game entendem seu propósito de existência – que estão ali apenas para dar entretenimento a um ser tridimensional que está inteiramente além do seu paradigma da realidade? Mas, pessoalmente, não posso pensar assim. Sou um ser criativo. Crio aquilo que me parece ser útil, não apenas aquilo que sou ordenado a produzir sem motivo aparente. Não posso simplesmente fazer o piso da fábrica sem ter ideia de qual será o resultado.
A maioria de nós se pergunta "por que estou aqui?", "Por que este universo inteiro (aparentemente) está aqui?" ou "Qual o propósito?"

A resposta breve

O universo não precisa estar aqui. Não há razão para que você, ou eu ou eles, ou qualquer coisa, tenhamos de estar aqui. A Realidade Suprema (i.e., D’us ) não tem necessidade de que nada exista – como explica Maimônides no início de sua obra Fundações da Torá.
Mas quando D’us fez tudo existir, Ele o fez com um desejo a ser encontrado dentro de Sua criação e Ele investiu todo Seu Ser naquele desejo. Aquele desejo é um elemento essencial da realidade. Chame-o de propósito. Ele se desenrola através da história e por fim floresce abertamente.
Explicar aquele propósito exige um contexto, o que equivale a dizer que precisamos de uma resposta mais longa.

A resposta mais longa

Quem levantou este problema, afinal de contas?
Contrário ao equívoco popular, esta não é uma pergunta feita por todas as pessoas pensantes no decorrer dos tempos. Pois, embora você possa não perceber, sua pergunta passa por um conjunto inteiro de pressuposições. O próprio fato de que esta dúvida o incomoda significa que você tem – talvez inconscientemente – interiorizado a opinião da Torá sobre a realidade. Ou seja, que o mundo foi trazido à vida por um Criador.
Porque se o mundo não foi criado, se está "só aqui," então para que perguntar sobre propósito? Como disse um dos grandes do Budismo moderno: "Não vejo propósito algum em todo esse cosmos." Por que deveria ele? As coisas que "só estão aqui" não precisam de um propósito.
Mas a Torá nos diz que o universo foi criado. O tempo tem um início. Se é assim, a noção de propósito tem significado: Por que as coisas começaram? Para que existir alguma coisa e não apenas deixar o nada em paz?
Em segundo lugar, você está pressupondo que há uma consciência por trás da criação. Consciência significa "um processo decisivo." As coisas não acontecem simplesmente por uma cadeia de causalidade linear – A, portanto B; B, portanto C; até o infinito. Também não ocorrem "por acaso" (seja lá o que isso signifique). Há um projeto por trás do cosmos e aquele projeto não é inevitável. Novamente, esta é a postura da Torá: "No início D’us criou" – e não, "No início, as coisas simplesmente aconteceram."
Como um aparte, nossas observações hoje em dia também apoiam isso. A estrutura do universo está aberta para nós como nunca antes, e, vejam, toda a evidência aponta para um universo proposital. Nas palavras de Paul Davies, um dos melhores expositores daquilo que está sendo chamado, O Modelo Antrópico do Universo: "…há uma inacreditável delicadeza no equilíbrio entre gravidade e eletromagnetismo dentro de uma estrela. Cálculos demonstram que alterações na força de qualquer uma delas apenas por uma parte em 104 seria uma catástrofe para estrelas como o sol… A pura improbabilidade de que tais ditosas coincidências pudessem ser o resultado de uma série de acidentes excepcionalmente felizes tem estimulado muitos cientistas a concordar com Hoyle, de que 'o universo é uma obra planejada'… Se o universo tivesse sido criado com leis ligeiramente diferentes, não somente nós (ou qualquer um) não estaríamos aqui para ver, como é duvidoso que houvesse qualquer estrutura complexa."
Outra delícia vinda da pura física moderna: o físico Brandon Carter registra que a velocidade da luz, multiplicada pela constante de Planck, e dividida pelo quadrado da carga do elétron, é aproximadamente igual a 137. Carter afirma que se este coeficiente fosse só um pouquinho maior que isso, então todas as estrelas seriam gigantes azuis e não haveria nenhum planeta, muito menos seres vivos. Se fosse um pouquinho menor, todas as estrelas seriam anões vermelhos e portanto os planetas orbitando ao redor delas seriam frios demais para permitir qualquer tipo de organismo. A velocidade da luz, aparentemente, foi fixada no início para o bem de todo o show.
Há uma porção destas iguarias. A maneira única pela qual a água se expande ao congelar; as fantásticas coincidências que permitem a nosso planeta ter seu sistema mágico, protetor, distribuindo o calor e a umidade que dão a vida, chamado atmosfera; a precisão da órbita da terra e a distância do sol; a proporção de água para terra seca na superfície – são coincidências demais para deixar o moderno deus do acaso ter uma chance de credibilidade. Um Criador consciencioso com um projeto em mente parece uma hipótese muito mais elegante. A pergunta: "Qual o propósito deste projeto?" pode ser estruturada em outras palavras: "Já podemos ver o projeto no espaço – podemos espreitar o projeto no tempo?"
Mas agora, voltemos ao assunto do contexto:
Qual o tamanho do problema?
A Torá cria o problema do propósito, e a Torá faz o problema quase impossível de resolver. Por quê? Porque a Torá alega que D’us , o Criador de tudo isso, é perfeito. Perfeito significa "não ter nada faltando". Eterno Verão Polinésio. Sem defeitos. Nenhuma necessidade. Tudo está lá. Não apenas tudo que podemos imaginar está no supremo estado de perfeição – suprema sabedoria, supremo conhecimento, suprema criatividade, suprema beleza – como também aquilo que não podemos imaginar, pois não é parte de nosso mundo.
O propósito, por outro lado, implica uma deficiência ansiando por compensação, i.e., "Eu não tenho isso – como posso consegui-lo?" Preciso de alimento – eu como. Preciso de abrigo – construo uma casa. Preciso de amor – inicio um relacionamento. Portanto, relacionamentos humanos, comer e construir, todos esses têm um propósito.
D’us não está faminto. Ele não precisa Se preocupar sobre ficar molhado com a chuva. Ele pode passar muito bem sem iniciar um relacionamento. Ele é perfeito. É isso que faz dele D’us . Portanto, se D’us de nada precisa, por que Ele precisa de um mundo?

Razões razoáveis

Talvez D’us seja um artista. Os artistas precisam de sua arte? Bom material para a festa: Um artista plenamente realizado, apesar disso, produziria mais obras primas?
De forma interessante, o Zohar apresenta uma razão para a criação ao longo dessas linhas. Numa passagem freqüentemente citada, o Zohar (Parashat Bô, 42b) menciona que o mundo foi criado: "…para que houvesse criaturas que O conhecessem em toda medida pela qual Ele dirige Seu mundo, com bondade e com critério, segundo os atos de humanidade. Pois se Sua luz não se espalhasse a cada uma de Suas criações, como Ele seria conhecido? De que maneira se cumpriria 'Toda a terra está repleta de Sua glória'?"
Rabi Chaim Vital, importante porta-voz do Ari (mestre cabalista Rabi Isaac Luria), explica a profundidade dessa passagem. Sem o ato de criação, todas as infinitas perfeiçõs de D’us estariam em um estado de potencial (Etz Chaim, Shaar HaHakdamot, Hakdama 3). A Criação é como a expressão de um artista, fazendo o potencial se tornar realidade.
Certamente, esta razão é absolutamente verdadeira, pois é parte de nossa Sagrada Torá, que é toda verdade. Porém os mestres chassídicos insistem que este não pode ser o propósito supremo. Porque ainda coloca limitações humanas em um D’us ilimitado.
Como enfatiza Rabi Sholom Dovber de Lubavitch ("O Rashab"): "Se D’us é verdadeiramente perfeito em todos os sentidos, então Ele não sente falta nem da perfeição que vem com os potenciais sendo realizados." Ele é o artista e a arte num todo perfeito. Na clássica declaração do Rashab: Para um ser criado, o que é potencial não é verdadeiro. Mas Acima, isso não ocorre. O potencial não é falta de realização. O potencial e o verdadeiro existem como um. (Sefer Hamaamarim 5666; veja Likutei Sichot do Rebe, vol. VI, pág. 18-25).
O que ocorre é que D’us nem precisa ser um artista – seja o que for que a expressão artística pudesse Lhe dar. Ele já é sem precisar fazer nada. Na linguagem da Cabalá, o Infinito tem Luz Infinita, que manifesta todas as perfeições. Portanto, que necessidade há de um mundo?

Mais argumentação razoável

Rabi Chaim Vital apresenta uma outra razão: "Quando Lhe deu vontade, Bendito seja Seu Nome, de criar o mundo para fazer o bem a Suas criaturas, para que elas pudessem reconhecer Sua grandeza e mérito de ser um veículo para o que está acima, conectar-se com Ele, Bendito seja." (Eitz Chaim, Shaar HaKlalim).
D’us é bom, portanto cria. Isso é levar as coisas um pouco mais além: ser bom é mais que auto-expressão, mais que ser um artista. Tanto o artista quanto o filantropo doam. Mas enquanto o artista é impulsionado pela ânsia de mostrar seu talento, o filantropo é impulsionado pelas necessidades dos outros. Para o artista, a platéia não tem valor intrínseco, que não seja o de vitrine para sua arte. O filantropo, porém, está preocupado com mais que simplesmente dar – está preocupado de que alguém esteja recebendo. Se está doando alimentos, está preocupado de que as pessoas não passem mais fome. Se está financiando a educação, preocupa-se com que os estudantes não sejam mais ignorantes. O mundo pessoal daquele que recebe é de suma importância para ele.
Esta razão evita a cilada da razão anterior: Não adianta nada se D’us disser: "Se houvesse seres criados, Eu seria bom para eles." Isso precisa realmente acontecer, eles têm de estar realmente lá e receber a bondade. É isso que é ser bom. Portanto, um mundo passou a existir por implicação da absoluta bondade de D’us . Mais uma vez, na linguagem da Cabalá (porque é uma linguagem muito elegante para discutir estes assuntos), a Luz Infinita não é suficiente – deve haver recipientes para absorver aquela luz e reagir a ela, i.e., um mundo.
Toda a luta e tribulação da humanidade pode ser explicada desta forma: Por que temos livre arbítrio? Por que devemos andar às cegas no escuro? Por que todo este conflito? Tudo porque D’us é bom e nos deseja o bem supremo. "Pão grátis" – dizem os Sábios – é o "pão da vergonha." Se você deseja realmente doar aos outros, dê-lhes a oportunidade de ganhar o presente. Este é o pão dignificado. Por isso D’us permite que lutemos, para que possamos ter um senso de propriedade com os frutos de nossa labuta.

Problemas maiores

Sim, mas…
A verdade é que ainda não mostramos metade do problema. Veja bem, o nosso não é o único mundo. A Torá fala sobre anjos e almas. Os anjos aparecem do outro mundo para falar com Avraham, Lot, Hagar, Yossef, e até para lutar com Yaacov. Então não se trata de "D’us está aqui e aqui está nosso mundo." Há estágios neste ínterim.

Mesmo o melhor dos mundos é um desapontamento para um D’us perfeito. A criatividade, quando você é perfeito, não significa fazer mais – significa fazer menos. Como diriam os cabalistas, D’us cria mais com sombras que com a luz.
É um processo de atrito: Ele começa com luz infinita. Depois, cria um estado de consciência que de certa forma está vazio de Sua presença. Depois Ele desenha naquele vazio uma sugestão da infinita luz, para dar àquela consciência forma e vida. Este é um mundo. Ele repete o processo, criando novamente um vácuo, depois o preenche com uma alusão infinitesimal de luz do mundo anterior. Outro mundo. O processo é chamado tzimtzum e continua através de infinitas etapas, até que chega a etapa mais inferior possível, i.e., você não vai gostar disso… nosso mundo!
Por que nosso mundo é o mais inferior possível? Porque todo o conceito de nosso mundo é simplesmente ser um mundo. Parecer inteiramente auto-contido. Como se estivesse "simplesmente aqui" (como afirmou aquele budista).
Olhe para fora. Talvez você veja uma árvore. O que diz a árvore? A menos que você seja um daqueles videntes que passam a tarde conversando com árvores, ela diz somente uma coisa: "Aqui estou. Aqui eu estava. Simplesmente estou aqui." Certo, seres humanos que utilizem suas mentes lerão beleza e significado naquela árvore. Mas aquilo tem a ver com a natureza espiritual inerente do ser humano. A árvore, por si própria, como tudo no mundo terreno, tem somente uma coisa a dizer: "Estou aqui." De fato, é isso que mesmo nós seres humanos chamamos de "realidade." Se pensarmos sobre isso, a vida humana é um exemplo ainda melhor daquilo que estou falando. Mais que a árvore. Ou mesmo uma rocha. Porque seres humanos são a última palavra em "simplesmente ser."
Olhe pela janela e veja todos aqueles seres humanos atarefados. Veja como cada um cuida de seus assuntos com o mesmo ar de egocentrismo. Não é algo para se ficar constrangido – é assim que as coisas são. Podemos sentir as emoções do outro, podemos sentir o intelecto do outro, mas quando se trata do ego, para cada um de nós, há apenas um ego em todo o cosmos, e este é o nosso. Seis bilhões de "vocês", "eles" e "elas". E somente um "eu."
O filósofo da Renascença, Rabi Judah Loewe (o Maharal de Praga) enfatiza isso (em seu comentário sobre Ética dos Pais 3:2): Todo ser humano – o primeiro homem, a criança, o sujeito caído na sarjeta, o mais poderoso ditador da História – todos eles compartilham esta percepção: "O universo gira ao meu redor." Sim, podemos ver um pouco além disso ou pelo menos escondê-lo sob o verniz da etiqueta social. Mas com a mesma certeza de que há ossos em nosso corpo, aquele ego estará sempre no âmago daquilo que fizermos. É o fator que define nosso mundo.
Se nossa janela se abrisse a um mundo mais elevado, as coisas não se pareceriam assim. Num mundo mais elevado, aquilo que você vê como árvore seria um anjo. "Anjo" – malach em hebraico – significa mensageiro. Um mensageiro dizendo: "Sou uma criação. Estou dizendo a você alguma coisa sobre como eu fui criado e o que me dá vida." Lá, as criações são mais como a luz refletindo sua fonte, ou informação comunicando de um transmissor mais elevado.
Mas em nosso mundo, parte alguma dessa mensagem alcança bom êxito. Com toda a codificação, compressão, filtragem e distorção ao longo do caminho, termina em algo ilegível e adulterado. O que resulta em egos. Incluindo os egos que negam completamente terem um Criador. Alguns até acreditam que eles mesmos são D’us , tendo criado tudo que existe neles próprios. (Você provavelmente já encontrou alguns deles – mais comumente vistos nas ruas da cidade entre 5 e 6 horas da tarde).
Portanto, como comenta o Rashab, a razão de Rabi Chaim Vital é um bom motivo para um mundo muito mais elevado que o nosso. Como na primeira emanação de um mundo. Mas então, por que continuar a corrente de ocultação e distorção para chegar ao nosso? Para ser bom e agradável, Ele teve realmente de criar um local que se tornasse uma confusão tão obscura e horrível? Ele precisa criar uma realidade que afirma ser tudo que há? Ele precisa criar egos? Criar algumas emanações básicas, ser bom para elas e parar por aí!

O verdadeiro problema

Tudo isso, sem mencionar o mais fundamental dos argumentos: Quem decidiu que ser bom com o próximo é uma boa coisa? Quem criou "bondade" e suas definições? Ele! Juntamente com todas as regras da lógica e da racionalidade. Portanto, voltamos ao ponto de partida: há um motivo razoável para a lógica e racionalidade e bondade e recipientes da Infinita Luz ou para qualquer outra coisa existirem?
Maimônides, em seu Guia para os Perplexos, responde um firme não. Por todos os motivos declarados acima e ainda mais. Não há razão. Ponto final. Ele não precisa de nosso mundo. Ele não precisa de nós. Mas há propósito. Absoluto propósito.

Agora, vamos à resposta realmente curta:

Como dissemos, D’us não tem necessidade ou "razão" para criar um mundo. Ele apenas o fez. Mas quando Ele o fez, foi com um propósito. Ele decidiu desejar ter dois opostos de uma vez:
Um mundo terreno, real…
…descobrindo seu Criador em todos seus aspectos.

Na linguagem do antigo Midrash:
"Ele desejou um mundo para Si Mesmo no mais inferior dos mundos "

Agora, a explicação:

"O mais inferior dos mundos." Como explicamos acima, é nosso mundo. Em termos de "clareza de sinal" – informação clara sobre sua fonte – você não pode ir mais baixo que isso e ainda ter algo existindo. É isso que o faz parecer tão real – a falta de aparente conexão com sua fonte. E é isso que o torna tão importante, a tal ponto que dentro dele está o propósito de todas as coisas. Se isso parece contra-intuitivo, é porque é mesmo. Acostume-se a isso. A partir daqui, todas as nossas conclusões estarão baseadas neste princípio contra-intuitivo. Tudo bem que ele seja contra-intuitivo porque, como você se lembra, não é razoável. D’us não precisa de um lar. Ele está perfeitamente bem não fazendo nada. Ele apenas quis desejar isso. E Ele pode decidir desejar tudo aquilo que decidir desejar. Isso não significa – e é importante assinalar – que Ele realmente não deseja isso. Pelo contrário, você já teve de lidar com um desejo irracional? A razão tem seus limites, mas quando as coisas são decididas "só porque sim," você não está lidando mais com algo que possa alterar. Está lidando com a pessoa completa.
Então aqui, também, D’us decide. "Isso o que escolho desejar, só porque assim decidi." E então, Ele está lá naquele desejo em toda Sua essência.
A criação contém apenas o mais ínfimo traço de um raio de um reflexo da luz do Criador. Somos todos uns nadas desnecessários. Mas em Seu desejo por Sua criação e esta realização, ali está Ele em Sua plenitude.

Elegância

Contra-intuitivo. Mas imaculadamente elegante. Antes de mais nada, nenhuma outra resposta expressa tão bem aquilo que os cabalistas chamam de "a simplicidade do infinito." O Infinito, bendito seja, está além da razão, além da busca pela perfeição. Todas essas nada mais são que ficções de seu próprio projeto. Colocar propositadamente o propósito no mais inferior dos mundos é uma expressão pungente deste ponto. De fato, é a suprema expressão do infinito Essencial.
Em segundo lugar, faz muito sentido dos padrões que vemos por todo o cosmos. E por todo o esquema do cosmos – a Torá. Em toda parte está o casamento dos opostos, este processo do mais elevado encontrando-se no inferior, o centro encontrando-se no periférico, o Único ser expresso nos muitos. Ninguém abordou tanto este tema como o Lubavitcher Rebe, cuja abordagem a todo problema na Torá e no mundo é enquadrá-lo no contexto de sua dinâmica: A Essência de Todas as Coisas deseja uma morada dentro da mais concreta realidade. A fusão dos opostos, também, é uma magnífica expressão daquela Essência que está além de todas as configurações binárias de sim e não, de ser e não ser.
Em terceiro lugar, embora esteja além da razão – pois é a razão que a razão passe a existir em primeiro lugar – ainda é algo com o qual podemos nos relacionar intimamente. Afinal, nós, também, desejamos uma morada. Nossa vida inteira e nossa ânsia irracional por vida é toda sobre este desejo de nos encontrar dentro de uma realidade concreta.
Quais são as implicações contra-intuitivas deste desejo contra-intuitivo de ter um lar nesta espelunca?
Por um lado, o universo metafísico acabou de ser virado de cabeça para baixo. Os anjos e os mundos mais elevados giram ao redor da terra. Eles estão sujeitos a nós aqui. Como nos diz o Midrash (Cântico dos Cânticos), quando a hoste celestial acima deseja saber quando é hora de entoar as canções do festival da Luz Nova, eles devem descer aqui para descobrir o que decidimos.
Mishná diz: "Conheça aquilo que está acima de você" (da mah l'maalah mimach) e o Maguid de Mezeritch traduz: "Saiba que tudo que está acima, vem de você." Tanto quanto eles descem o olhar para nós, todos aqueles seres espirituais dependem de nós para seu próprio sustento e itinerário cotidiano. Por outro lado, esqueça a escalada. Entrar no paraíso pode ser mais arrebatadoramente refrescante que uma Pepsi, mas é apenas um meio para um fim. O trabalho da humanidade não é ser cosmonautas espirituais, mas mineiros cósmicos, sondando os céus em busca da inspiração para prosseguir sua obra aqui em baixo. E qual é aquela obra em baixo? Arar os campos da vida terrena para que ela possa absorver a chuva vinda do alto, plantar e ajuntar as sementes dos atos celestiais feitos aqui na terra, construir e sustentar um santuário para o Mais Alto de todos os Altos aqui em baixo no mais inferior dos inferiores. Em outras palavras, estudar Torá, cumprir mitsvot e suportar todos os desafios até aí.
Eis por que, segundo Nachmânides em sua obra Shaar Hagmul, o supremo estado da grande jornada humana não é como almas no céu, mas como almas em corpos. Ao final dos dias, escreve ele, todas as almas retornarão a seus respectivos corpos e ali permanecerão para a felicidade eterna.

Revelação concreta

E uma outra coisa: construir uma morada num mundo inferior não significa que este mundo agora torna-se etéreo e angélico. Já existem suficientes mundos angélicos e etéreos. Não, ele tem de permanecer tão concreto, mundano e absoluto quanto foi criado. O único ajuste é que esta mesma mundanidade será percebida como Divina.
Eis por que a morada não pode vir do alto – construída por anjos ou mesmo pessoas que nada têm a ver com o mundo rela. Nenhuma mercadoria pré-fabricada. Se você deseja uma casa na Costa Rica, isso significa uma casa na Costa Rica construída por costarriquenhos com materiais da Costa Rica. O mesmo aqui – e somos os nativos. Nós, os egocêntricos, materialistas, terrenos aborígenes.
Tome como exemplo aquele egocentrismo com o qual constrangemos a todos no início deste artigo, aquele profundo sentimento que todos nós temos de que "Eu sou mais eu." Isso, por si mesmo, é a maior de todas as revelações, algo que os anjos jamais poderiam tocar. Afinal, de onde vem esta idéia? Como D’us criou uma aparição assim?
A resposta é que o Criador pode criar algo assim, porque Ele Próprio é exatamente assim: O Supremo Ego. Ele é o Centro de Todas as Coisas. Ele é Tudo Que é – pra valer. E assim, quando Ele sopra de Si Mesmo em uma criatura feita de barro terreno, aquela criatura sente-se exatamente da mesma maneira: Ego. O supremo centro de todas as coisas.
Esta é também a origem daquele senso de estar "simplesmente aqui." Como pode uma criação parecer estar "simplesmente aqui," como se sempre estivesse? Só porque é a suprema criação de um Criador que realmente está Simplesmente Aqui. Na linguagem de Rabi Schneur Zalman de Liadi ("O Alter Rebe") em um de seus últimos escritos:
"A Fonte de todas as emanações, Sua existência é de Seu próprio ser e não o efeito de qualquer causa que O tenha precedido. E portanto, somente Ele tem a capacidade de criar algo a partir do nada absoluto, sem nenhum precedente ou causa para sua existência…" (Tanya, Igueret HaKodesh 20).
Rabi Schneur Zalman prossegue descrevendo como a suprema expressão disso está na terra física sobre a qual caminhamos. E é por isso que ela se parece da maneira que se parece: Porque é um reflexo da suprema realidade.
Acontece que este mundo inferior e egocêntrico tem algo que nenhum mundo mais elevado pode oferecer: A Essência. Além disso: Não somente é o desejo de D’us por uma morada dirigido a este nosso mundo – como é a única propriedade apropriada para tal zoneamento. Porque a Essência simplesmente não pode ser expressa em nenhum outro lugar a não ser dentro de um mundo terreno, concreto e egocêntrico. Como está escrito no antigo Livro da Formação: "O início de todas as coisas está embebido em seu final."
Uma "morada no mundo inferior," então, não significa a aniquilação do ego e uma realidade mais obscura. Significa simplesmente que estas coisas serão avaliadas por aquilo que realmente são: As supremas formas da expressão Divina.

Aplicação Prática

Com toda esta contra-intuição, uma aplicação prática é exigida:
Digamos que alguém está para fazer uma refeição. A sabedoria comum colocaria todas as posturas possíveis a este exercício entre dois pólos:
A postura insensata, egocêntrica: "Estou faminto. Se estou faminto, eu como. Esta comida é o que gosto. Eu como aquilo que gosto. Por quê? Porque quando estou com fome como a comida que gosto."
A postura esclarecida, abnegada. "Estou faminto, mas isso não é importante. Nem ao menos percebo que estou faminto, porque estou tão envolvido em assuntos metafísicos mais elevados – o que é a comida, afinal? O que é a fome? O que é um corpo? O que sou eu? Porém, como D’us me ordenou sustentar este corpo e isso é feito através do alimento, aceitarei uma pequena porção de comida para cumprir minha obrigação."
Qual desses cumpre o propósito do Criador na criação?
A resposta, evidentemente, é "nenhum deles." A primeira postura tem um quê de mundo real, mas nenhum senso de que ali more nada mais que o ego humano. A segunda tem uma Consciência Mais Elevada morando ali, mas nenhum mundo real. Porque o sujeito suprimiu aquela parte de si mesmo que faz dele um cidadão deste reino egocêntrico e inferior. Para atingir o mandato de uma "Morada Divina neste mundo inferior," deve haver um nexo destes dois pólos.
Portanto, tente uma terceira opção de tamanho, como aprendi do grande mestre dos mestres do pensamento Chabad, Rabi Yoel Kahn:
"Estou com fome. Quando estou faminto, eu como. Por quê? Porque isso é o que fazem seres terrenos como eu. E aqui está a comida que gosto de comer. Mas, espere. Tenho um propósito. Meu desejo por comida tem um propósito. Portanto, recitarei uma bênção sobre o alimento e o comerei com o estado de espírito apropriado de que estou comendo para cumprir meu propósito na vida e fazer muitas coisas boas. Agora vamos à refeição."
Nesta postura, há uma pessoa real, vivendo em um mundo real, mas fazendo algo Divino. E assim D’us diz: "Sim! É isso que Eu estava procurando!"
Contra-intuitivo. Mas factível

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016


Ansiedade x realidade
O melhor remédio para ansiedade é a nossa realidade - Paulo Ursaia

O assunto em destaque hoje é: A ansiedade e os limites da realidade. A reflexão está fundamentada em Mateus 6:27 “qual de vocês, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar sequer uma hora a duração de sua vida?”. Estas palavras dirigem-se particularmente aqueles que frequentemente se encontram em estado de ansiedade relacionado às possibilidades futuras. Se analisarmos sinceramente, concluiremos que o início do dia hoje foi surpreendente! Tivemos uma noite tranquila? Um sono reparador? Estamos vivendo a experiência de mais um dia de possibilidades? Isso está completamente fora de nosso controle! É assustador imaginar que poderíamos ter morrido durante o sono à noite.
Há algum tempo atrás fiquei sabendo que sofro de uma síndrome chamada apneia do sono. Trata-se de um conjunto de sintomas que caracterizam um quadro clinico que atinge centenas de milhares de pessoas. Esse problema pode levar à morte durante o sono, caso haja falhas no dispositivo de controle natural que acorda o indivíduo em caso de bloqueio da respiração durante o sono. Dependendo do seu grau, os médicos recomendam a utilização de equipamentos e aparelhos caríssimos que facilitam à respiração durante a noite. Fiquei bastante preocupado ao tomar conhecimento desse problema e comecei a ficar com medo de dormir assustado com a possibilidade de não acordar no dia seguinte. Que loucura! Depois me dei conta de que todo mundo corre esse risco em maior ou menor grau.
Outra preocupação que ficou impregnada na minha mente foi a perda do plano de saúde e garantias previdenciárias quando fiquei desempregado. A falta de perspectiva de um salário no final do mês tornou-se meu maior pesadelo! Como vou pagar meus compromissos financeiros? Como vou fazer a feira, pagar luz, água, escola, parcelas de empréstimos e veículos, etc. Para completar a história surgiu um problema em uma das casas que tenho alugada e ajuda muito nessa situação, o inquilino muito problemático decidiu entregar o imóvel reduzindo em mais de um salário minha receita familiar. Por incrível que pareça, caíram duas obturações antigas e 1 implante de dentes estratégicos para a mastigação! Não posso mastigar com o lado direito porque dói, o lado esquerdo está faltando um dente. A solução encontrada foi mastigar calmamente com o os dentes que restam e selecionar alimentos mais macios.  Comecei a me sentir como aquela viúva de Sarepta (I reis 17:8-16) que ia comer o que tinha com seu filho e depois só esperava a morte!
                Concluí que independentemente do que eu esteja passando ou sentindo, o curso da vida continuará conforme previsto pelo criador. Acredito que Deus criou a vida para fluir espontaneamente, assim como um agricultor que planta uma semente, fornece os insumos e cuidados necessários para que ela se desenvolva, somos lavoura e edifício de Deus (I Cor. 3:9). Como um bom agricultor Deus cuida e protege a lavoura assim como eu cuido e protejo minha horta, para garantir o sucesso da lavoura, procuro tratar cada planta individualmente embora seja muito difícil e complicado por causa da quantidade e diversidade existente. É interessante observar que cada planta tem necessidades específicas o que exige tratamentos diferentes para cada uma, mas todas tem um ponto em comum, dependem de água, substrato e luz. Após criar as condições necessárias para a germinação da semente e o desenvolvimento da planta, não há mais nada que o agricultor possa fazer a não ser esperar que a própria planta se desenvolva. Assim também somos protagonistas da nossa própria estória. É preciso ter bom senso e assumir nossa responsabilidade no curso de nossa vida. Não é a ansiedade que fará diferença, pelo contrário, ela simplesmente induz à paralização entregando a vida ao acaso, além de alterar o metabolismo do organismo, influenciado o apetite, o sono, a disposição para enfrentar a vida, etc. Geralmente quem está ansioso tem dificuldade de concentração e sofre com angústia, além do stress que compromete os relacionamentos e a produtividade profissional. Esse estado pode levar a depressão e certamente influencia todas as áreas da vida!
Não é a ansiedade que acrescentará tempo em nossas vidas, mas sim, atitude, planejamento e uma boa gestão do nosso tempo. Tempo é tudo o que nós temos! Sabemos que o grande agricultor tem cuidado de nós, sua lavoura, fornecendo adubo, água e nos protegendo de insetos e pragas indesejáveis. Mas compete à nós aproveitarmos os recursos que nos são fornecidos para processar a fotossíntese e elaborar a preciosa seiva que alimenta a vida. O que faz diferença entre as pessoas não é o volume de recursos acumulados/disponível, mas a capacidade de processamento. O ritmo e as necessidades artificiais da vida moderna tem deformado nossa natureza, assim como um câncer deforma a natureza da célula, levando-nos a processar coisas desnecessárias, alterando a natureza do metabolismo e contaminando todas as áreas da nossa vida. É o câncer existencial, o pior de todos, pois é ele que irradia o padrão para todas as áreas da vida, inclusive para as células orgânicas. O câncer é uma alteração no padrão e na dinâmica natural e impressionantemente é produzido e alimentado pelo próprio indivíduo que o carrega, uma vez desencadeado fica muito difícil controlar. Tem sua origem estimulada pelo estado de ansiedade que anestesia e neutraliza a capacidade de elaboração natural induzindo a processos e produções desnecessárias. Isso explica a grande incidência da doença na sociedade atual, marcada pela superficialidade, artificialidade e falta de significado existencial. Ao nos desligarmos da videira deixamos de receber a seiva verdadeira e passamos a receber substâncias artificiais inventadas pela própria sociedade na busca por uma existência alternativa em substituição à submissão ao criador. Nessa busca por um substitutivo, a humanidade com o apoio de forças ocultas, construiu o impressionante e extraordinário sistema capitalista, que tem suas bases alicerçadas no consumo, de onde os seres humanos extraem doses de prazer e satisfação fornecendo em troca tempo e trabalho, curvando-se ao deus da terra, o dinheiro, que se tornou o maior objeto de desejo e devoção dos seres humanos e sem o qual se tornou impossível a sobrevivência no planeta. Você consegue viver sem dinheiro? Se a resposta for não, significa que nos tornamos dependentes de nossa própria cobiça e estamos vivendo desconectados da videira nos alimentando de outra fonte! E isso certamente terá consequências. Como em tudo, teremos que fazer escolhas e decidir qual o rumo que seguiremos: Deus ou Mamom! Qual nossa fonte de prazer? É um bom carro? Uma boa casa? Um bom filme? Um bom restaurante? Reconhecimento social? Porque nos distanciamos tanto das coisas simples como cultivar, conversar, amar, etc. Minha mãe dizia: “quem não vive para servir não serve para viver”, já pensou que as pessoas não têm mais tempo para os outros? Quando dedicamos algum tempo há alguma obra social ou “caridade”, chamamos de voluntariado e esperamos que isso incremente nosso currículo! O serviço desprendido e desinteressado sempre foi raro e agora  está extinto. Simplesmente não temos tempo para os outros porque precisamos acumular capital para garantir nosso futuro, temos que cuidar dos nossos interesses, e como nunca ficamos satisfeitos, estamos sempre buscando doses de felicidade!
E aí, O que fazer diante dessa realidade? Muitos intelectuais e religiosos tentaram encontrar uma solução para esse dilema e não podemos negar que muito esforço tem sido feito na busca por uma solução equilibrada. Temos visto o surgimento de vários programas e projetos sociais de combate à pobreza, miséria e fome. Também acompanhamos os avanços científicos na busca pela cura de doenças como câncer, AIDES e mais recentemente a síndrome do vírus zica. Entretanto, seria prudente e bastante coerente buscar conhecimentos e ensinamentos com o mestre de Nazaré com quem sempre podemos aprender de forma simples, segundo o qual basta crer! Crer na existência de um Deus soberano que criou o mundo com um propósito, a quem todo o universo deve adoração e submissão. Crer que a condição para uma vida feliz é colocar-se no centro da Sua vontade em obediência e cultivar uma vida pautada nos valores do seu reino: amor, paz, longanimidade, benignidade, mansidão, domínio próprio, humildade e justiça. Devemos aprender com Jesus de Nazaré a ser gratos pelo que temos, ao invés de viver reclamando pelo que não temos. Aprender a enfrentar a vida com coragem, a ser forte nos momentos difíceis e a esperar com paciência vivendo na perspectiva de um sistema perfeito, simbolizado por um reino, que colocará o universo de volta à ordem abalada pela presença de uma humanidade independente, individualista, orgulhosa e vaidosa.

Ninguém poderá dizer que não foi avisado sobre as consequências da orgia e das preocupações deste mundo. Todos foram alertados sobre os perigos da acumulação de riquezas, visto que são consumidas por traças, corroídas por ferrugem ou roubada por ladrões. O certo é que mais cedo ou mais tarde as riquezas criarão asas e voarão. A melhor maneira para se viver com segurança e felicidade, é submeter-se à vontade do criador, que sustenta e garante que não faltará comida, bebida nem roupa para aqueles que buscam o reino de Deus em primeiro lugar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Crise econômica mundial: Moeda, mediação e intervenção do Estado

Ademir Buitoni
Ademir Buitoni
1. O Caráter Monetário da Crise Global - 2. A Moeda Como Símbolo - 3. Funções da Moeda - 4. O Estado: Entre a Intervenção e a Mediação - 5. Crise Econômica e Crise Ecológica - 6. Conclusões.

1. O CARÁTER MONETÁRIO DA CRISE GLOBAL
O ano de 2008 registrou uma das mais graves e profundas crises econômicas dos últimos cem anos, com conseqüências ainda imprevisíveis para a vida dos cidadãos deste complexo mundo do século XXI. Trata-se de uma crise que só superficial e aparentemente tem origem nas questões do inadimplemento das hipotecas americanas (sub prime), mas que, na verdade, vem se desenhando há muito mais tempo no atual sistema econômico capitalista.

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz avaliou que essa crise representou a queda do conceito do fundamentalismo do mercado livre, assim como a queda do Muro de Berlim foi o símbolo do fim do comunismo. Disse ele: ”O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e a liberalização financeira. Nesta crise observamos que as instituições mais baseadas no mercado vieram abaixo e correram a pedir ajuda do Estado. Todo mundo dirá agora que este é o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização econômica é insustentável” (cf.Joseph Stiglitz, entrevista para El Pais, Nathan Gardels, 25.9.08).



A dimensão da crise parece ser mais ampla atingindo, inclusive, outros campos da atividade humana, ligados á ecologia, produção de energia e alimentos, como já foi também observado:

Nunca havia acontecido antes. Pela primeira vez na história da economia moderna, três crises de grande amplitude – financeira, energética e alimentar – estão em conjunção, confluindo e combinando-se. Cada uma delas interage sobre as demais, agravando, de modo exponencial, a deterioração da economia real. Por mais que as autoridades se esforcem em minimizar a gravidade do momento, o certo é que nos encontramos diante de um sismo econômico de magnitude inédita, cujos efeitos sociais, que mal começaram a se fazer sentir, explodirão nos próximos meses com toda a brutalidade.” (cf. Ignácio Ramonet, Le Monde Diplomatique, julho/2008). Em decorrência mesmo de vivermos numa sociedade globalizada a crise assume proporções globais.

Nosso foco, porém, neste artigo, é analisar mais o caráter financeiro da crise, ou seja, as questões ligadas, sobretudo ao fenômeno da moeda, ao fluxo monetário mundial, assuntos pertinentes basicamente ao uso simbólico da moeda. Vamos discutir o que é e como funciona, no centro da crise, essa formidável e idolatrada invenção humana: a moeda.

Nas outras crises econômicas as discussões principais foram ligadas ao excesso ou escassez de produção de mercadorias, ao controle de preços, a dominação de mercados, proibição de importações, estímulo de exportações ou problemas análogos. O problema agora é o dinheiro, a moeda, é como lidar com o complexo mercado financeiro nacional e internacional. O funcionamento e utilização da moeda, que o liberalismo tratou com tolerância, quase sem limites, nos últimos anos, entrou em crise, apresentando surpresas, anomalias e instabilidades difíceis de serem controladas. Isso levou, recentemente, o conhecido economista Alan Greespan, ex-presidente do Fed (O Banco Central dos Estados Unidos), a declarar que errou, parcialmente, ao acreditar que as instituições financeiras não seriam irresponsáveis nos empréstimos, como foram (cf. Folha de São Paulo, 26/10/2008, “Greespan admite ter errado parcialmente”). 

Os governos dos Estados Unidos da América do Norte, da União Européia, Japão, da maioria dos países, inclusive o Brasil, passaram a intervir para ajudar os bancos, empresas de seguro e outras, visando proteger os interesses e a poupança dos cidadãos, enfim de todos, ameaçados de perder o dinheiro. O Estado vem atuando fortemente como Interventor visando manter o funcionamento do sistema econômico vigente e resolver a crise, pois a ideologia do Mercado livre se mostrou sem condições para tanto.

Nesse contexto, parece ser necessário voltar a refletir sobre a moeda, sua origem, seu significado, sua finalidade, pois acabamos achando tão natural usar o dinheiro que esquecemos que ela é um produto da civilização humana, um instrumento mediador para facilitar a atividade social da humanidade. A moeda não é a finalidade principal do sistema econômico. A moeda é um meio e não o fim da atividade econômica, como discutiremos a seguir.

2. A MOEDA COMO SÍMBOLO
A origem da moeda, apesar de não haver precisão absoluta, é atribuída aos Lídios, no século VII, entre 687 e 650 A.C, pois eles unificaram o sistema de cunhagem. (Rivoire,1985, 9). Mas antes disso, no terceiro milênio AC já existia o ouro como unidade de conta no Egito e a prata na Mesopotâmia. Os chineses a partir do séc. IX AC, usavam o bronze como meio de pagamento, em diversas formas de inscrições gravadas. 

Ou seja, a moeda não existia num estágio anterior da civilização, ela aparece junto com as formas mais evoluídas de organização social, substituindo o escambo ou troca material de mercadorias por mercadorias equivalentes, por um padrão mais abstrato de troca. A partir da Grécia e da Pérsia, sobretudo, a moeda vai se espalhar pelo Mediterrâneo, vai para Roma, para todo o Ocidente medieval e renascentista, sendo então objeto de estudos de Teólogos, de Filósofos, como Platão, e outros pensadores.

Desde sua criação a moeda passou a representar um instrumento poderoso de realização dos desejos do ser humano, pela suas principais funções de: instrumento de troca, padrão de valor, meio de pagamento e reserva de valor. Possuir moeda, nesse contexto, passou a significar possuir poder, ter acesso aos bens materiais, poder comprar mercadorias, utilidades e outros bens.

A partir da invenção da moeda os fenômenos monetários passaram a intrigar e inquietar a atividade da sociedade. Talvez a moeda seja a realidade que penetra mais intimamente na vida privada de cada um, pois é, principalmente, pela mediação monetária que as pessoas satisfazem suas necessidades e desejos.

Este mundo global é cada vez mais penetrado pelo fato econômico e pelo predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo. De outro lado, o capitalismo para operar necessita da estrutura da regulamentação jurídica. Então cabe indagar: Qual a contribuição do Direito diante do fenômeno monetário?

Várias abordagens podem servir para discutir a natureza da moeda: seria a moeda fruto da necessidade econômica? Da linguagem jurídica? Da cobiça? Da violência? Da soberania do Estado? 

A moeda se presta a diferentes tipos de análise, é difícil entender a moeda, como já bem observado: "A teoria monetária é como um jardim japonês... uma simplicidade aparente esconde uma sofisticada realidade” (Friedman, 1992, 23).

Dentro dessa complexidade, o tratamento mais adequado, a nosso ver, é encarar a moeda como símbolo porque nos parece mais próximo do aspecto jurídico: símbolo é convenção e o Direito Positivo depende, basicamente, das convenções. Mas o conceito de símbolo vem da linguagem humana, daí a necessidade de recorrer a conceitos da Semiótica.

A linguagem utiliza signos. Na definição de Pierce o signo “é um cognoscível, que por um lado é determinado por algo que não ele mesmo, denominado de seu objeto, enquanto, por outro lado, determina alguma mente concreta ou potencial” (Pierce, 1960,160) Ou, de um modo mais simples: "Signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto” (Santaella, 1988, 78). Portanto, o signo representa o objeto, mas com ele não se confunde. Símbolos, portanto, são tipos gerais aceitos por convenção como representantes do objeto. "Sendo uma lei, em relação ao seu objeto o signo é um símbolo. Isto porque ele não representa seu objeto em virtude do caráter de sua qualidade (hipoícone), nem por manter em relação ao seu objeto uma conexão de fato (índice), mas extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto” (Santaella, 1988, 91,92).

Nesse sentido a moeda é um símbolo porque assim foi convencionado, substitui o objeto que representa. A moeda é signo de grande poder de representação: substitui uma série indefinida de objetos, mediando quase todas as trocas num determinado contexto econômico. A moeda, além disso, é símbolo porque resulta de uma convenção social, impondo-se a todos como representante geral do valor de bens e serviços desejados pelas pessoas. A moeda é de tamanha utilidade que sua posse e acumulação acabou definindo um modelo de sistema econômico, o capitalismo, em que o dinheiro é o elemento principal do sistema.

Ter e usar o dinheiro acabou sendo tão natural que o ser humano talvez tenha perdido a consciência do artifício que representa a moeda. Mas a moeda continua sendo criação humana do mesmo modo que a fala. ”A moeda é tão pouco natural quanto o é a fala" (Aglieta, 1990, 25). Como falamos, espontaneamente, usamos moedas, espontaneamente. 

A moeda tornou-se, assim, um dos símbolos mais conhecidos e desejados do mundo, fazendo as pessoas confundirem a representação simbólica com a realidade. Mas ela não é uma realidade por si mesma, é um símbolo a que se atribuiu valor. O monetarista Milton Friedman é categórico: “Os pedaços de papel verde têm valor porque todo mundo acha que eles têm valor”. Todo mundo pensa que eles têm valor porque, segundo a experiência de todos, tiveram valor. 

Essa ficção não é nada frágil. Pelo contrário, o valor de ter uma moeda comum é tão grande, que as pessoas defenderão a ficção mesmo sob uma provocação extrema. Mas também a ficção não é indestrutível: a frase americana “não vale um continental “ é um lembrete de como a ficção foi destruída pela quantidade excessiva de moeda continental que o Congresso Continental emitiu para financiar a Revolução Americana” (Friedman, 1992, 23)”.

Como todo símbolo, a moeda para ser forte deve ser respeitada, ter credibilidade. Porém, a atual crise econômica mundial é um desses momentos críticos em que o símbolo-moeda perde o prestígio. Quando isso acontece a história mostra que as economias não voltam ao escambo, ou seja, á economia das trocas das mercadorias por outras mercadorias, mas, pelo contrário, mantêm a moeda trocando-a por outro símbolo, eliminando moedas ruins, criando novas regras jurídicas para o mercado e procedimentos afins, como estamos assistindo no mundo todo. 

A moeda, de uma forma ou de outra sobrevive. É impossível neste momento, imaginar uma economia não-monetária. Inexiste outro símbolo que faça o papel da moeda: a moeda tem sido insubstituível desde seu surgimento. Como símbolo acabou sendo o símbolo máximo, de maior importância, do sistema econômico capitalista global, suplantando os demais símbolos nacionais, religiosos, políticos, ideológicos e afins.
Por outro lado, não cabe ao campo de conhecimento da Economia, mas ao Ordenamento Jurídico dar valor á moeda e definir suas funções como veremos a seguir.

3. FUNÇÕES DA MOEDA
A moeda oscila entre a Economia e o Direito do ponto de vista funcional. Nascida na prática para mediar as trocas de mercadorias, com o tempo foi se tornando cada vez mais dependente da ordem jurídica e, modernamente, do Estado que possui o monopólio da emissão da moeda.

Isso não significa que a Moeda deixou de ser um símbolo de valor, mas que o Direito deu uma nova estrutura ás funções da moeda. As funções básicas da moeda são: padrão de valor, instrumento de troca, meio de pagamento e reserva de valor. Do ponto de vista da Economia prevalece a função de instrumento de troca e de reserva de valor. A partir do pós-guerra, de 1945 em diante, a função principal tem sido de reserva de valor, acompanhando justamente a evolução do capitalismo produtivo para o financeiro. 

A “financeirização” da economia, que chegou ao auge agora, representa também o aspecto predominante da atual crise.

Para o Direito a função predominante da Moeda é a de meio de pagamento e padrão de valor. Mas, na verdade, todas essas funções interagem, umas com as outras, numa complexidade que só para efeitos de análise se distinguem. Tais funções são regulamentadas pelo ordenamento jurídico de cada Estado, variando conforme o contexto econômico.

Historicamente a função mais importante da moeda sempre foi como instrumento de troca, e talvez seja necessário voltar a enfatizar essa função básica da moeda.

Com efeito, no clássico Tratado de Economia Política, Jean Baptiste Say, em 1803, assim descreveu a função da moeda: "Se existir na sociedade uma mercadoria procurada, não em razão dos serviços que, em si mesma, dela possamos tirar, em razão da facilidade encontrada em trocá-la por todos os produtos necessários ao consumo, uma mercadoria tal que possamos adequar exatamente à quantidade que entregamos dela ao valor do que se deseja ter será somente essa mercadoria que nosso cuteleiro procurará obter em troca de suas facas, porque a experiência lhe ensinou que, com ela, obterá facilmente, mediante outra troca, pão ou qualquer outro artigo de que possa precisar. Essa mercadoria é a moeda”. (Say, 1983, 210). 

O economista moderno, Milton Friedman define a função da moeda de forma parecida: "... a moeda é aquilo que é aceito por todos em troca de bens e serviços - aceito não como um objeto para ser consumido, mas como um objeto que representa um conteúdo temporário de poder aquisitivo a ser usado para comprar outros bens e serviços" (Friedman, 1992,28).

Essa função básica da moeda, de ser meio de troca, é universal. Porém, como já dito, ela foi se tornando cada vez mais reserva de valor, ou seja, sendo objeto de negociação como mercadoria moeda, acumulando valores que geraram um novo tipo de mercado, o financeiro. A moeda, enfim, se tornou a mercadoria mais valiosa do sistema. Isso está na base da crise atual, em que o Mercado Financeiro passou a atuar sem que o Estado pudesse saber ou regular o que os agentes econômicos estavam fazendo com a moeda.

Há uma tendência em voltar a ler os clássicos, como Marx, que já havia apontado o inadequado uso da moeda como reserva de valor. Usar a moeda como mercadoria é inverter a ordem natural das coisas, pois o valor essencial estaria na natureza e no trabalho social: "Desde que o dinheiro, noção existente e manifesta de valor, confunde e troca todas as coisas, ele é a confusão geral e a troca de todas as coisas, sendo, pois o mundo invertido, a confusão e a troca de todas as propriedades naturais e humanas". (Marx, 1963,107)

Na verdade a crítica marxista retoma sob outro enfoque, o que os teólogos e filósofos falavam da moeda antes do capitalismo se tornar o regime dominante, a começar por Aristóteles, no livro V da Ética:

”A moeda foi instituída por convenção, e por essa razão ela é chamada de nómisma, ou seja, pela lei, porque justamente tem valor por lei e não por natureza, e porque está em nosso poder modificá-la e torná-la sem valor” (Galiani, 2008, 72).

Talvez a solução da crise exija reavaliar o sistema monetário como um todo.
Aí entra o problema da disciplina jurídica da moeda, da organização internacional do sistema monetário e, em última análise, o problema da estabilidade econômica. Porém, não é exclusividade do Direito, nem da Economia, solucionar o problema.

A eficiência da racionalidade econômica e jurídica parecem colocadas em dúvida diante da crise. O dogma de um Direito Positivo onipotente, racional, capaz de dar segurança à vida social e econômica, neste momento está sendo questionado. A racionalidade de que falava Max Weber no século XIX: “O domínio universal da relação associativa de mercado exige, por um lado, um funcionamento do direito calculável segundo regras racionais” (Weber, 1991, 227), tem se mostrado difícil de alcançar na Economia e no Direito. Os fatores psicológicos, sociais, culturais e afins, o conceito de sociedade complexa, uma mescla de ordem e desordem são cada vez mais valorizados, sobretudo após a longa experiência da Conferência de Breton Woods (1944), que criou o FMI, sem que, após mais de 60 anos, tenha sido alcançada a almejada estabilidade econômica mundial.

Parte do desafio atual é, justamente esse: como sair desse dualismo binário entre Mercado e Estado? Entre normas de Direito e de Economia?
Não há ortodoxia ou heterodoxia que resista a uma crise global como esta! A resposta ainda não existe, é preciso encontrar um paradigma novo de vida econômica e social.

Uma das propostas de novo paradigma que vêm sendo desenvolvidas em várias áreas de conhecimento, inclusive no Direito, tem sido a Mediação.
O Estado, por exemplo, ao invés de atuar como Interventor no Mercado poderia atuar mais como Mediador, e isso seria uma alternativa criativa para desenvolver um novo modelo econômico. Vejamos, brevemente, essa alternativa.

4. O ESTADO: ENTRE A INTERVENÇÃO E A MEDIAÇÃO
O Estado tem atuado na ordem econômica mundial, em geral, como interventor ou regulamentador do Mercado. No nosso caso específico do Brasil a atuação do Estado na ordem econômica está definida na Constituição, como um agente normativo e fiscalizador, como detentor de monopólio, como indutor do desenvolvimento econômico (Constituição Federal, art.170 a 181). Poderia, no entanto, atuar mais como um Mediador dos interesses da coletividade. Talvez seja necessário nesta crise redefinir o papel do Estado para que ele atue como Mediador nos conflitos e na atividade econômica. De outro lado a sociedade civil poderia se organizar mais para decidir os rumos da vida , sem depender do bom ou mau funcionamento do Estado. Seria importante que a própria atividade de Mediação fosse incentivada pelo Estado ou adotada pelo Estado conceitualmente, como meio de solução de conflitos nacionais e internacionais. Nesse sentido, o que seria Mediação e seu papel?

Conceitualmente, a Mediação é uma forma de autocomposição dos conflitos, com o auxílio de um terceiro imparcial, que nada decide, mas apenas auxilia as partes na busca de uma solução. O Mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. É um terceiro mesmo, uma terceira parte, quebrando o sistema binário da solução tradicional do conflito. A Mediação busca livremente soluções, que podem mesmo não estar delimitadas pelo conflito, que podem ser criadas pelas partes, a partir de suas diferenças. A Mediação procura ir além das aparências explícitas, investigando os pressupostos implícitos do conflito. Muitas vezes, pode ser o aspecto legal o mais relevante fator a ser analisado, mas nem sempre isso acontece.

O sistema de Mediação é aberto a qualquer aspecto que possa estar causando o conflito. A Mediação é uma espécie de terapia do vínculo conflitivo. O sistema jurídico positivo na sua função judicial procura mais estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados, obter a normalidade comportamental. A Mediação trabalha, também, com o potencial transformador dos desvios, procurando integrá-los na formulação de uma nova solução.

A Mediação destaca o poder emancipatório, que existe em todo sistema jurídico, como fator mais importante do que o poder normativo. Uma sociedade para ser justa precisa, sem dúvida, de um mínimo de leis, porém precisa, sobretudo da boa fé, dos valores éticos e morais. Os romanos já haviam percebido, como observou Paulus, “non omne, quod licet, honestum est”, ou seja, nem tudo que é lícito é também honesto.

O Positivismo Jurídico acabou com essa preocupação secular, separando o direito, da moral e da ética. A Mediação recupera tudo isso, é um dos campos privilegiados para o cultivo da Ética, pois sem Ética o sistema econômico não funciona, a política não funciona, a sociedade não sobrevive com harmonia.

A prática da ética, nesta crise econômica mundial, é indispensável:

“A Humanidade deixou de constituir uma noção abstrata: é realidade vital, pois está, doravante, pela primeira vez ameaçada de morte, a Humanidade deixou de constituir uma noção somente ideal, tornou-se uma comunidade de vida; a Humanidade é, daqui em diante, sobretudo uma noção ética: é o que deve ser realizado por todos em cada um” (Marin, 2000, 114). 

É difícil aceitar que, após tanto tempo de normativismo, os Estados continuem alimentando a pretensão de resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só pela Intervenção, através da regulamentação jurídica. 

A crise econômica não exige só uma solução para a atividade financeira: ela atinge a sociedade como um todo, as relações privadas, públicas, culturais, sociais, psicológicas, políticas e afins.

A solução não virá pela elaboração de novas leis monetárias como já advertiu Jansen: ”Atribuir valor real ao ato jurídico (ou ao serviço ou mercadoria a que aluda aquele ato jurídico) seria criar uma realidade, e uma norma é um dever ser e não um ser. Se a norma atribuísse valor real ao ato jurídico - e não apenas nominal, através da elevação dos preços e salários (que são o valor dos atos jurídicos que dizem respeito a bens e serviços) poderíamos transformar um país paupérrimo no país mais rico do mundo, e não apenas inflacionar a economia". (Jansen, 1988, 17).

A crise não pode ser resolvida só com pacotes de legislação econômica, em país nenhum. O Direito e o Estado devem atuar como instrumentos mediáticos que podem ajudar a regulamentar aspectos da crise, mas não podem resolver totalmente a crise. A solução foge da área jurídica e se projeta na soma da colaboração de todos os agentes econômicos, sociais e políticos. O uso da moeda criou uma realidade muito complexa a ponto de ser difícil dar uma direção ao sistema monetário, controlar seu funcionamento, em meio à crise sistêmica que estamos vivendo.

O Estado, então, oscila entre intervir e mediar para solucionar a crise. No momento de crise as duas coisas precisam ser feitas concomitantemente: intervir e mediar. Mas a longo prazo o Estado só poderá exercer bem seu papel de organizador da coletividade, numa perspectiva de paz e desenvolvimento para todos, se atuar mais, conceitualmente, como Mediador, pois as soluções devem ser assumidas por todos. Acabou o tempo da dissociação entre governantes e governados, a crise é planetária. O que está em jogo é a possibilidade de viver num mundo ecologicamente equilibrado e isso depende da colaboração de todos.

5. CRISE ECONÔMICA E CRISE ECOLÓGICA
Na busca de uma solução para a crise econômica não podemos esquecer que o modelo econômico precisa ser modificado, sob pena de inviabilizar a vida no nosso planeta.

Vale lembrar a recente advertência de Jeffrey Sachs: 

“No século XXI, nossa sociedade global florescerá ou perecerá, dependendo da nossa capacidade de encontrar um acordo mundial relacionado a um conjunto de objetivos compartilhados e os meios práticos para alcançá-los”. As pressões da escassez dos recursos energéticos, das crescentes crises ambientais, de uma população global cada vez maior, de migrações em massa – legais e ilegais – da transferência de poder econômico e de profundas desigualdades de renda são demasiadamente grandes para serem deixadas à mercê de forças do mercado e de uma livre competição geopolítica entre nações.

O resultado dessas crescentes tensões poderia, ser, perfeitamente, um choque de civilizações, o qual poderia vir a constituir nosso último e definitivo choque devastador. Para superarmos, pacificamente, essas dificuldades, teremos de aprender, em escala global, as mesmas lições básicas que as sociedades bem-sucedidas aprenderam, gradual e relutantemente, no interior de suas próprias fronteiras nacionais” (Sachs, 2008, 14).

Nesse contexto a atividade de todos pode ser orientada por um comportamento de Mediação, pelo quais os interesses vão sendo autocompostos para que se preserve permanentemente o ritmo social e econômico em bases sustentáveis, sem agredir a ecologia, sem colocar a natureza apenas a serviço do lucro. 

Qualquer solução tem que levar em consideração o esgotamento do atual modelo energético, baseado no petróleo, o esgotamento do modelo alimentar, baseado na agricultura extensiva e na produção de gado e o esgotamento do modelo industrial que produz o efeito estufa e assim por diante.

É necessário consultar a população para saber em que tipo de sociedade pretendemos viver daqui para frente. Não basta mais os governantes agirem, nem a ONU, a OEA, a União Européia e outros organismos internacionais traçarem diretrizes de ação. A participação dos bilhões de seres humanos é indispensável. As soluções hão de ser coletivas, participativas e não mais impostas pela intervenção do Estado.

A crise mundial coloca a necessidade de resolver as contradições entre a predominância do Direito Privado, centrado na propriedade individual, e o Direito Público, centrado nos interesses gerais da população. O Direito, na verdade, é um todo indissociável. Da mesma forma, a economia não pode funcionar, eficazmente, só com base nas particularidades do individualismo possessivo e consumista em que mergulhamos. O sistema econômico individualista também tem limites. Esses limites devem ser consagrados, pedagogicamente, pelo ordenamento jurídico como uma sinalização do dever ser, do comportamento desejado como melhor para todos. Os Direitos Humanos foram consagrados pela ONU em 1948, pela primeira vez na história, e são parte do Direito Positivo. É oportuno enfatizar que o Direito se fundamenta na dignidade da pessoa humana, na moralidade, na ética e na honestidade, como aprendemos desde o Direito Romano (Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere, ou seja, viver honestamente, não lesar ninguém, e dar a cada um o que é seu).

Não basta a racionalidade econômica e a eficiência, nem o planejamento estatal, ou privado, da economia. A crise atual tem muito de previsível, mas tem muito de acaso, pois o ser humano é também obra da evolução, cheio de imperfeições e imprevisibilidades. A natureza não funciona segundo leis deterministas. Segundo Jung, metade dos acontecimentos na vida humana são previsíveis e metade são imprevisíveis:

"Apesar de nosso sentimento e não obstante os fatos ocorrerem segundo as leis gerais, não se pode negar que estamos sempre e em toda parte expostos aos acasos mais imprevisíveis. Será que existe algo mais imprevisível e mais caprichoso do que o acaso? O que poderia ser mais inevitável e mais fatal? Em última análise, podemos dizer que a conexão causal dos fatos, de acordo com a lei geral, é uma teoria que se confirma na prática em cinqüenta por cento dos casos. Os outros cinqüenta por cento ficam por conta da arbitrariedade do demônio chamado acaso”. (Jung, 1993, 58)

No entanto, insistimos em buscar a onipotente segurança da certeza. Não integramos o acaso, o analógico, no todo social. Perdemos a visão grega da história (Heródoto e Tucídides) que valorizava o acaso e adotamos a visão iluminista que valoriza mais o esforço humano. Agredimos a natureza, exploramos as florestas e os animais, os rios e os mares, na vã expectativa de obter uma permanência e estabilidade sócio-econômica, quando a ecologia planetária é instável e em constante mutação.

O efeito estufa, reconhecido pelos cientistas, mostra como a ecologia tem de ser respeitada, como o ser humano precisa parar de destruir a natureza e retomar uma conduta de harmonia com o meio ambiente. Nesse sentido Ecologia, inclusive, deve ser entendida na sua tríplice dimensão: ambiental, social e mental, ou seja: ”Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar transversalmente as interações entre ecossistemas, mecanosfera e universo de referências sociais e individuais” (Guatari, 2001, 25).

Cada qual a seu modo, Direito e Economia devem ser conhecimentos a serviço da convivência social, e, sobretudo dessa nova concepção de ecologia. A moeda não pode ser a mercadoria mais valiosa do mundo! O momento atual exige a criação de um novo modo de atividade econômica, onde a moeda atue como mediadora no conjunto das demais atividades sociais, e não seja mais o principal elemento da vida social.

6. CONCLUSÕES
A moeda é um símbolo mediador, de grande significação para a vida social. A eficiência da moeda reside na sua interação qualitativa com a realidade econômica e não, isoladamente, na sua expressão jurídica. A crise econômica mundial deve levar em conta a complexidade dos fatores, pois o controle e solução dos problemas econômicos não se dá unicamente pela imposição de normas jurídicas. 

O momento atual exige uma postura de Mediação das pessoas, dos Estados, da sociedade civil, das instituições econômicas, das Ongs, do sistema financeiro, enfim de todos. Esse poder de autocomposição e de decisão os próprios interessados devem manifestar para construir uma sociedade mais solidária. Somos todos iguais, vivemos num só planeta. Não basta resolver essa crise econômica mundial para restabelecer tudo como era antes, tudo de volta ao “status quo ante”. É necessário retomar a Ética e a verdade, eliminar o cinismo, visando construir uma nova sociedade baseada não na moeda, mas sim na dignidade da pessoa humana, valor primordial da sociedade.

Alías, isso está escrito na nossa Constituição: o fundamento do Estado é a dignidade da pessoa humana (art.1, III) e um dos objetivos fundamentais da República é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art.3, I). 

Não teria chegado o momento de cumprir esses objetivos consagrados pela Constituição? Não teria chegado o momento de recolocar a moeda como Mediadora das relações econômicas e não como fim último, como razão de ser de toda a atividade deste mundo complexo e global?

É urgente responder essas questões básicas, antes que o desequilíbrio ecológico do Planeta provoque catástrofes incontroláveis e ameace a própria sobrevivência do ser humano.

A crise mundial deve, no mínimo, recolocar o símbolo moeda no seu devido lugar, aliás, de onde nunca deveria ter saído: a Moeda é meio e não fim.

ADEMIR BUITONI é Doutor em Direito Econômico pela FDUSP, Advogado e Mediador em São Paulo